domingo, 30 de agosto de 2009

Hoje eu me lembrei que quando eu era criança tinha uma loja na minha cidade que se chamava "A Arca de Noé". A loja era imensa para os padrões da cidade pequena e também para os padrões da criança que eu era. Lá tinha de tudo; de roupa de cama a lingerie, de brinquedos a utilidades domésticas e tecidos.
Como toda criança brasileira dos anos 80, eu tinha fascinação pelos brinquedos da Estrela. Ficava encantada com as prateleiras cheias de caixas coloridas, com infinitas possibilidades de diversão. Eu saía da escola e ficava namorando a vitrine da loja, imaginando o que eu poderia fazer se tivesse acesso àquilo tudo.
A minha mãe (na verdade, minha tia, fui criada por ela, mas a história é muito longa) comprava bastante na tal loja. Quanto aos brinquedos, a gente tinha acesso à coleção "Masters of Universe", os famosos bonecos da linha do He-Man, bem como aos lindinhos Playmobil, pois ela tinha um único filho, pouco mais novo do que eu, que não tinha limites quanto aos desejos consumistas. Na casa ainda morava uma outra "agregada", que era uma prima 10 anos mais velha que eu, que merece um post à parte.
O fato é que eu brincava com brinquedos de menino, por força da circunstância, e não era muito ligada a bonecas. Tinha um bebê daqueles da Estrela (tenho até hoje, para falar a verdade, em prefeito estado de conservação), um bonequinho plástico barato que vinha numa banheira vermelha que ganhei da minha madrinha, com o qual passei várias tardes solitárias, e mais 2 outras bonecas pequenas, que não sei que fim levaram.
Contudo, naquele universo de caixas e coisas legais, o que me encantava mesmo eram as bonecas da Coleção Moranguinho. Eram várias, de tamanho médio, com o cheiro da fruta que elas representavam. Tinha a Moranguinho propriamente dita, a Maçã, a Uva e a minha preferida, a rainha de todas, a Cocadinha. Ela era linda, morena, com cabelo encaracolado, roupa de baiana e colares coloridos. Eu me lembro exatamente do cheiro da caixa dela, pois várias vezes fui à loja admirá-la, depois da escola. Várias vezes algum dos vendedores tirou a caixa da prateleira e me deixou segurar, sentir o peso e o cheiro, com toda paciência do mundo.
Eu nunca tive coragem de pedir aquela boneca para a minha mãe/tia. Eu era tão tímida que a simples idéia da possibilidade de ganhar uma resposta negativa me dava vontade de chorar e me limitava. Eu me lembro de ter pedido pouca coisa à ela, em função disso, e os "não" que eventualmente ganhava foram me travando ainda mais ao longo da infância e da adolescência, o que resultou numa profunda introspecção e posteriormente numa depressão aos 14 anos. Se eu desejasse um caderno diferente, uma revista, qualquer coisa, eu tinha que segurar o choro ao pedir, e olha que o que menos fiz na vida foi pedir alguma coisa à ela, ou a quem quer que seja.
Bom, o texto tomou um rumo totalmente diverso do que eu pretendia, mas a conclusão disso tudo, na verdade, é que eu, desde criança, deixei de tentar várias coisas pelo medo do fracasso.
Perdi a oportunidade de ter uma Cocadinha por ter sido covarde aos 7 anos de idade.

4 comentários:

LuMa disse...

Cara Adrina,
Te conheço um pouco mais com este texto, tão íntimo, mas que certamente te fará bem, por tê-lo escrito. Pudera desafogar algumas coisas minhas também. Lembre-se. Os escrúpulos(e não covardia) é que ainda fazem este mundo funcionar. "Male male", mas ainda funcionam como virtude. Vc teve, sim, a sua Cocadinha, pelo fato de vc ainda se lembrar dela.

cks disse...

não acho que exista covardia numa criança de 7 anos. acho que a covardia parte dos adultos que, muitas vezes, reprimem as crianças.
não estou dizendo que tem que fazer todas as vontades, dar tudo o que a criança pede, mas acho que existem maneiras e maneiras de falar que não é possível.

concordo com a Luma, que disse que vc teve a Cocadinha. teve nas vezes que foi até a loja, nas vezes que segurou a caixa, que sentiu o cheiro e principalmente, nas vezes que sonhou com ela.

Adrina disse...

Cauks, o problema nem era com ela (a mãe), era comigo mesma. Os "não" são inevitáveis, claro, mas eu não tinha a menor coragem de pedir.
:*

cks disse...

em 2006, emagreci 15 quilos só fechando a boca, sem remédio nenhum. fui numa nutricionista e me armei de força de vontade.
mas, como non tenho vergonha na cara, non dei continuidade,e engordei de novo.

bosta.